Fisco vai cruzar consumos da água, luz e gás com os recibos das rendas
Paulo Núncio avançou com cinco reformas desde que chegou à Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais e diz que as grandes mudanças fiscais desta legislatura estão feitas. Nesta entrevista adianta que no segundo semestre já será possível aferir quanto da sobretaxa do IRS poderá ser devolvida aos contribuintes e diz que a retenção na fonte vai baixar já o IRS para 1,8 milhões de pessoas
Esta reforma do IRS teve três versões só pela mão do Governo. Qual vai ser afinal o seu impacto na receita?
A reforma do IRS terá um custo de 150 milhões de euros, sobretudo pela introdução do quociente familiar. Este valor será compensado pela reforma da fiscalidade verde e, simultaneamente, por medidas de controlo e de alargamento da base, que também contribuirão para o equilíbrio orçamental.
Que medidas são essas?
São medidas que assentam em três pilares: reforço do controlo das deduções pelo facto de estas despesas passarem a ser controladas através do sistema e-fatura; subida da receita fiscal IRS pelo aumento da emissão de faturas e da sua comunicação por empresários em nome individual e prestadores de serviços e reforço sem precedentes do controlo dos arrendamentos clandestinos.
Como vai ser feito esse controlo?
A generalidade dos senhorios passará a estar obrigada a emitir um recibo através do portal das finanças e as empresas de água, luz e gás passam a ter de comunicar de três em três meses os dados dos detentores dos respetivos contratos, para que a AT possa comprovar automaticamente quem são os proprietários e os inquilinos e cruzar os consumos com os recibos de rendas. Vai também ser feito um maior cruzamento entre o imposto de selo pago nos contratos de arrendamento e os rendimentos prediais que são declarados.
A previsão de receita do IRS no Orçamento do Estado para 2015 já incorpora estes 150 milhões de euros?
Sim. Quando o Orçamento foi apresentado, já contava com uma perda de receita de 150 milhões de euros.
Esta questão é relevante por causa do crédito fiscal associado à sobretaxa do IRS. Há condições para que esta seja devolvida aos contribuintes em 2016?
Tendo em conta a experiência de 2013 e de 2014, estou convencido que a receita do IRS e do IVA possa superar o objetivo da receita fixada no Orçamento do Estado e que seja possível que os contribuintes possam receber em 2016 um crédito fiscal que corresponda em parte ou à totalidade da sobretaxa paga em 2015.
Será razoável esperar uma devolução de pelo menos metade?
Não queria antecipar. Acho que o crédito fiscal é importante porque pela primeira vez se fixa um limite a partir do qual um excedente de receita é devolvido aos contribuintes e não serve para acomodar mais despesa fiscal ou para financiar o défice. Este sistema é inovador e devia, no futuro, ser aplicado a outros impostos.
Quando é que será possível ter já uma noção do valor a devolver? No segundo semestre?
Acho que é possível durante o ano, e fundamentalmente no segundo semestre, já ter uma noção efetiva do crédito fiscal. Mas é evidente que este crédito apenas será apurado no final do ano, quando as contas estiverem fechadas, e vai depender muito da capacidade de sermos efetivos nas medidas de combate à fraude e de os consumidores continuarem a contribuir ativamente para combater a fraude, pedindo fatura.
O crédito fiscal arrisca ficar para a história como uma solução de marketing político. Não teria sido mais fácil e correto baixar simplesmente a sobretaxa?
Essa foi uma decisão tomada ao nível do Governo e está tomada. Os objetivos em termos de défice são muito exigentes para este ano e o Governo está firmemente empenhado em que o país deixe de estar no procedimento por défices excessivos. Mas o ano de 2015 tem boas notícias para as famílias com filhos, que vão ter um alívio fiscal das retenções na fonte, e para as empresas, que verão a taxa do IRC descer de 23% para 21%, sendo que as PME continuarão a beneficiar de uma taxa reduzida de 17%.
As tabelas de retenção na fonte vão ser publicadas a tempo de incidirem nos salários de janeiro?
Serão publicadas brevemente.
Que contribuintes terão boas notícias com estas novas tabelas?
Esta reforma do IRS marca uma viragem histórica porque coloca pela primeira vez as famílias no primeiro lugar com a criação do quociente familiar e porque aumenta o valor das deduções de cada filho e ascendente. Em resultado desta reforma, mais de uma milhão de famílias com filhos - o que representa mais de 1,8 milhões de contribuintes - vai beneficiar de uma redução na fonte já a partir de 2015. Isto significa que todos os agregados com filhos, sobretudo os que têm mais filhos, irão ter uma redução significativa da retenção na fonte. As famílias com filhos que estejam nos primeiros escalões do IRS vão beneficiar de uma redução proporcionalmente maior do que as que têm rendimentos mais elevados. Além disto, cerca de 120 mil agregados deixarão de pagar imposto em 2015 pelo aumento do mínimo de existência.
Além da retenção na fonte, que outras mudanças é que esta reforma trará já em 2015?
Há várias questões práticas a observar já este ano. Uma tem a ver com o novo regime de deduções à coleta: desde 1 de janeiro, apenas as faturas que incluam o NIF serão consideradas para efeitos do IRS e para que os contribuintes possam beneficiar das deduções à coleta. E estamos a falar de todas as deduções, desde as despesas gerais familiares, às despesas com saúde ou educação.
Além disto, o cálculo das despesas dedutíveis em sede de IRS passa a ser feito com base no sistema e-fatura, o que vem simplificar e facilitar a vida aos contribuintes. Basta-lhes pedir as faturas com NIF para que as empresas fiquem obrigadas a comunica-las à AT, que irá depois disponibilizar a informação das despesas na página pessoal de cada contribuinte. Paralelamente, os recibos das rendas de casa passam a ser emitidos no Portal das Finanças. Esta funcionalidade informática estará completamente operacional em maio e, nessa altura, os senhorios serão obrigados a emitir os recibos de renda referentes a todo o ano de 2015.
A emissão de recibos eletrónicos vai abranger todos os senhorios? Os de papel acabam?
Será emitida uma portaria em que se determinará que os pequenos senhorios, de baixos rendimentos, poderão continuar a emitir os recibos de renda em papel, mas estarão obrigados a comunicar o valor total das rendas e a identificação do inquilino até 31 de janeiro do ano seguinte. O valor do rendimento para estes casos vai ser definido por portaria a publicar brevemente.
O PS acabou por não se vincular à reforma. Esta falta de acordo poderá pôr em risco esta reforma para além de 2015?
Estou convencido que o sentido de responsabilidade e de Estado irão imperar nos partidos do arco da governabilidade. Esta reforma procedeu a alteração de 540 disposição legais do IRS e o PS viabilizou cerca de 90% das propostas de alteração do Governo, o que é significativo. O Governo fez tudo para construir consenso alargado à volta da reforma do IRS. E mesmo em sede de especialidade entendemos que devíamos dar um passo em frente e apresentar propostas que fossem ao encontro das preocupações manifestadas pelo Partido Socialista, em termos de simplificação e de reforço da progressividade.
O Governo definiu as reformas do IRC e do IRS como prioritárias. Arrumados estes dois impostos, qual deveria seguir-se? O IVA?
Foram feitas reformas muito importantes: a criação da AT, o sistema da faturação e das guias de transporte; a reforma do IRC e, à boleia desta, o novo código fiscal do investimento e finalmente a reforma do IRS. São cinco reformas muito relevantes e que de alguma forma concluem um ciclo de reformas fiscais neste mandato. Nesta matéria, com a reforma do IRS, tenho o sentimento de dever cumprido, ou seja, de ter cumprido na íntegra aquilo que estava definido no programa do Governo.
Se esta maioria ganhar as próximas eleições está disponível para continuar este trabalho?
O meu único objetivo neste momento é cumprir este mandato, cumprir os objetivos ainda muito exigentes em matéria de execução orçamental que estão definidos para o ano de 2015.
Qual deveria a próxima reforma fiscal? A do IVA?
O futuro a Deus pertence e gostaria de me concentrar no que resta para cumprir neste mandato do atual governo. O próximo mandato é outra história e não me quero antecipar aos programas que vierem a ser apresentados e ao debate que necessariamente terá de ser feito nas próximas eleições. O que estava previsto concretizar-se neste mandato foi cumprido, a prioridade foi claramente os impostos sobre o rendimento. Temos uma boa reforma do IRC e uma boa reforma do IRS.
fonte:http://www.dinheirovivo.pt/ec